A anatomia do processo criativo
29/07/2005 - Porto Alegre
Em um destes textos que escrevo fiz uma brincadeira comparando o processo criativo com o cozinhar . Talvez alguns tenham tido impressão de que é possível criar através de receitas. Quer dizer, 200 gramas de pigmento, misturar com 20 ml óleo de linhaça, etc... assim vai indo, passo após passo, vai fazendo até chegar no ponto..
Hum... é um pouco assim, mas nem tudo assim.
Então, meus caros amigos, não esqueçam que o componente mais importante da cozinha é o amor.
Em primeiro lugar, não existe consenso sobre Arte. Doutores em Artes Visuais atuam em campos diferentes e divergem sobre o trabalho de seus colegas. Por outro lado, há trabalhos que foram incorporados na História da Arte e que viraram ícones considerados tão sagrados quanto os Deuses. Essa nossa tendência de simplificar as coisas, às vezes, nos ajuda, outras vezes atua contra nós.
Quando falamos no processo criativo, talvez seja adequado falar das buscas que cada um de nós pode fazer, no momento de desenvolvimento que ele próprio se encontra. A gente olha para o que se apresenta diante de nós. A gente faz uma interpretação pessoal das coisas que acontece direto no trabalho feito. Não existe uma maneira, um caminho de fazer as coisas. E talvez isso seja o que há de mágico na Arte. Tantos são os caminhos quanto as criaturas humanas.
Justamente, quando um artista persiste em uma só fórmula de atuação, um Picasso parecido, um Picasso parecido, um Picasso parecido, um Picasso parecido, ele morre um pouco.
Nós sabemos que os artistas, às vezes, têm que diminuir o ritmo de suas buscas para poder se sustentar, para que o público possa assimilar produções, para não “viajar” longe demais. No entanto, sempre se quer aprender mais, diversificar mais, ver como ficaria se fosse daquela maneira que estamos imaginando, ver no que vai dar este risco inicial que estou traçando que nem sei o que é. As vêzes, podemos partir de algo, alguma coisa para representar.
Hoje muitos acham que deve haver uma diferença mais ou menos significativa entre a “coisa” em si e o resultado que nós geramos na tela, no papel, no espaço, como escultura.
Outros acham que devemos “expor a nossa visão de mundo” de maneira indireta. Assim como o amante fala sobre sua amada através de poesias e metáforas, há os que acham mais interessante pegar algumas partes ou aspectos das coisas e “falar” sobre o mundo de maneira indireta. Nos forçam a compor o “perfil da amada a partir da poesia”, neste caso, fazem com que percebamos as coisas escolhidas por eles de maneira indireta, através de maneiras novas de organizar trabalhos de arte no espaço, de novos olhares e perspectivas para coisas conhecidas. Quando já se sabe o que é uma maçã, de repente se quer fazer algo que lembra uma maçã, ou que é quase uma maçã, ou que é uma não-maçã, ou então que é uma maçã egípcia, ou quem sabe uma maçãzona, ou uma MASSÃ, maçã feita de massa, e por que maçã se o que eu me sinto atraído mesmo é pelos elefantes?
O que há de mais interessante é a possibilidade de concretizar uma “viagem na maionese”, de dar frutos à imaginação, de buscar possibilidades diversas, de ter a liberdade de escolher caminhos não trilhados, de meter a mão para brincar na areia movediça da arte e não afundar nela.
Sempre se lembrando que a Arte e a transformação pessoal são talvez os objetivos para os quais fomos criados, que podem dar prazer, conhecimento e realização, mas acima destes está a vida em si. O próprio objeto da Arte.
Paulo André Frydman
texto e imagens
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